segunda-feira, 11 de abril de 2011

Conversa de um só

    - Diga-me, para que tanto drama?
    A fala veio da mulher sentada ao meu lado, ela é bem magra, usa um vestido marrom com algumas flores rosa e uma sandália marrom, tem os cabelos castanho claro presos num coque alto e tem os olhos fixos no chão do trem,por traz dos óculos.
    - Minha vida é muito dura.
    Eu a fito a procura de um celular ou de um fone de ouvido que poderia estar conectado a um celular. Não há nenhum fone ou celular.
    - Dura por que minha cara?
    Olho a minha volta e percebo que não sou a única a encara-la, mas ninguém no vagão parece ter alguma ideia de com quem ela estava falando.
    - Eu não consigo fazer nada direito - ela continua
    - O que é isso? Você que é tão prestativa? Seu chefe não lhe falou ontem como você era uma ótima secretária?
    Sim, ela estava falando sozinha, mas por que tão alto? Por que aqui?
    - Ele deve dizer isso pra todas.
    Quem seria esse chefe que ela tanto fala? Por que ela estaria tão triste? Por que ela está sendo tão dura consigo mesma?
    - O que é isso? Você é tão boa.
    - Não sou, não! Eu sou muito estabanada! - respondeu triste para si mesma.
    Reviro minha cabeça à procura de um jeito de ajudá-la.
    - Pare com isso! Perceba que você é ótima e dê um sorriso!
    Não consigo pensar em nada para ajudá-la, quem sabe ela não se convença que é boa?
    - No que eu sou boa? Não adianta mentir, eu sei que você não me acha boa em nada.
    E se eu perguntasse o porquê de ela estar falando sozinha?
    - Pense assim: Se você não fosse boa, você estaria trabalhando por sete anos consecutivos no mesmo lugar?
    Não posso fazê-lo, talvez se eu perguntar ela fique ainda mais triste.
    - Talvez ele esteja procurando outra e irá me despedir em alguns dias.
    Mas eu estou tão curiosa... Será que eu tenho coragem suficiente para perguntar?
    - Pare de ser tão paranoica! Ele não vai despedi-la!
    Eu não tenho coragem, mas eu estou tão curiosa...
    Em meio à minha discussão interna, ouço o motorista avisar que tínhamos chegado na estação, fui embora deixando a mulher sozinha com sua conversa melancólica e com a eterna pergunta: Por que ela estava falando sozinha?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Complexo de Sardinha

    Imagine uma lata de sardinha com todas as sardinhas meio apertadas dentro, então pense que o fabricante resolveu que o mesmo tanto de sardinhas teria que caber num pote com o comprimento de pouco mais da metade do outro. Quanto sobra de espaço para cada sardinha na lata? Agora troque as sardinhas por pessoas e a segunda lata por um trem de oito vagões. Pronto, você tem uma boa idéia de qual é o interior do trem novo da Linha Diamante.
    Você deve achar que eu estou exagerando, mas eu juro que não estou! E de quem foi essa idéia tosca e sádica de apertar mais o que já era incrivelmente apertado? Se foi você, que está lendo esta crônica, que teve a idéia de jerico de diminuir o número de vagões de 12 para 8, faça-me um favor: levante dessa cadeira agora, fique na frente de uma parede e bata sua cabeça nela algumas vezes, afinal, se você acha que faz algum sentido esmagar milhares de pessoas diariamente, você tem algum problema sério e, quem sabe, se você bater a cabeça várias vezes na parede arrume alguma coisa nessa sua cabecinha.
    Para não esculachar tanto o trem novo, eu admito que há coisas nele que são melhores que no trem velho: os assentos parecem mais confortáveis (embora eu não tenha conseguido sentar neles ainda), têm ar-condicionado (então ninguém corre o risco de morrer sufocado) e há mais lugares para se segurar. O único problema desses lugares de se segurar é que eles são no teto e eu, que normalmente não chego nem no pescoço das outras pessoas no trem, não consigo alcançá-los nem com os braços esticados, então eu fico na ponta do pé feito uma bailarina e com as pontas dos dedos encostados no "seguradouro", mas isso me faz ficar sem equilíbrio nenhum e, como o trem novo tem uma mania irritante de dar paradas bruscas, eu vivo caindo e, cada vez que caio, levo uns três comigo.
    Não fique muito preocupado achando que eu fico muito esmagada todo santo dia, pois eu tenho uma solução muito simples: na hora do rush eu não o pego. E eu não sou a única que faz isso, pois depois que ele sai boa parte das pessoas que não estavam no alcance dele não vão atrás e ficam esperando um trem velho.
    Então, se você anda numa linha que costuma ser cheia e, principalmente se você tem o meu tamanho, eu te dou um conselho: não vá no trem novo porque eu te garanto que não vai ser uma experiência muito confortável.